sábado, 6 de fevereiro de 2010

Ashoora : Uma experiencia nova








Estava eu trabalhando muito tranquila na quinta -feira passada quando a minha colega de trabalho me perguntou: " voce vem hoje , ne?" .
Que? Onde? Como? Quando?
"hoje na rua! Ashoora de novo!"
Mas , meu Deus, ja se passaram os quarenta dias??? Ja. Quase , pelo menos.
(a proposito, alguem sabe me explicar porque tudo e 40? Antes da pascoa tambem tem quarentena -leia-se "quaresma".)...

Me disse que quinta o povo ia passar a noite inteira na rua, lembrando o sofrimento do dia em que o neto de Maome morreu junto com toda a familia (me disseram la que o primo dele armou para mata-los depois disseram que ele se matou e matou a familia...complexo). Ficariam perambulando pela rua de 11pm ate umas 4am. Quase uma festa se nao fosse um luto.

"Amanha tambem tem! So que e "too much blood". "
Como assim? Entao eu vou amanha (sexta)! Ja que e pra ver a coisa, que eu veja a coisa completa!
Sexta-feira acordei cedo, arrastei Mauricio comigo e fomos ao centro da cidade. Um caos pra parar. Gente andando na rua, seguindo para o mesmo destino, como gente seguindo o trio eletrico.

Liguei pra minha colega e ela foi me buscar la perto do escritorio, avida pra me contar os detalhes de todo aquele tumulto e representacao.

As ruas estreitas do centro de Manama estavam interditadas e podia-se ver barracas por todos os lados, distribuindo comida, lanche, sucos, agua, cafe e cha para os transeuntes. Inclusive nos!
Comecamos por uma barraca de pinturas tematicas. Todas mostravam o sofrimento do momento. Nenhuma figura tinha rosto. So sangue. So dor. O Senhor que cuidava da barraca veio explicar que a familia de Hussain foi levada para algum lugar longe em cima de camelos e cavalos.

La, numa especie de camping, foram deixados sem comida nem agua para enfraquecerem e terem uma morte mais facil. Hussain foi ao encontro deles com alguns seguidores, sabendo que morreria, mas tentando atrair pra sua morte mais atencao ao isla "puro" nao corrompido. ele sacrificou sua propria familia e cometeu suicidio, tendo sua cabeca cortada apos isso. Acreditava que conseguiria mostrar que sua fe era maior do que a morte e que aqueles que o seguissem estaria do lado de Allah. Esse dia, 14 dias depois de sua morte, era um dia pra ser lembrado e sofrido.

Minha colega nos levava pelos becos, apresentava a vizinhanca, a familia e nos obrigava a pegar e provar de tudo das barraquinhas. -Take this! Very healthy! E nos enchia um copo de agua de acafrao tao ruim que me deu nauseas. Mauricio se livrou do copo dele num instante e eu ainda andei um pouco ate achar um lugar disfarcado pra largar.
Depois veio um copo cheio de cha de cardamom. Depois tres copos de agua. Depois bananas e laranjas. Depois uma quentinha com Mutton biryani. pra almoco. Meu Deeeus, quanta comida! nos explicou que o ato de doar comida representa forca para o organismo, algo como "vamos comer neste dia, lembrando o quanto eles (familia de Hussain) passaram fome e sede".

Logo depois, ela nos levou a um beco onde comecaria o ritual de sofrimento: espadadas na cabeca, chicoteadas e sangue; muito sangue. Havia tapadeiras pretas em volta da rua para as mulheres ficara atras pra nao serem vistas ou se sujarem. Essas tapadeiras estavam cheias de manchas de sangue do dia anterior... e perceber isso comecou nos deixar um pouco enjoados. Tambores ecoavam fortemente no peito, dando uma sensacao estranha de nervoso e as espadas comecaram a ser erguidas no ar, brados de qualquer coisa se elevaram e os homens, vestidos de branco, comecaram a cortar as testas com as proprias espadas. Depois, um homem no meio da roda cortava com a mesma espada varias cabecas. E quanto mais o sangue escorria, mais animado o povo ficava. Tirei umas fotos e fomos embora dali porque a sensacao era de que, a qualquer momento, uma briga ia surgir ou um arastao, qualquer coisa assim. Paixoes muito alteradas as vezes podem ser perigosas.

Fomos para um outro lado onde as criancinhas estavam fazendo uma coreografia, com chicotinhos de corrente nas maos, chicoteando as proprias costas. Felizes na encenacao como se fosse um teatrinho de colegio.
Encontramos um presepio um tanto anormal pelo caminho : tres pessoas sem rosto enfiando a espada em um bebe. Poderiam ser os tres reis magos e o menino Jesus. Mas nao era. Era um presepio xiita representando o sofrimento da data, mais uma vez.

Minha colega, por fim, nos levou a casa do pai dela, que ficava nas redondezas, e fez questao de nos apresentar a familia inteira: irmas, primos e um monte de criancas. Uma casa simples, onde uma pilha de sapatos ea deixada na porta ao entrar, com chao coberto por tapetes arabes e sofa arabe. Fizeram questao de nos presentear com uma sacolinha de guloseimas ao melhor estilo de Sao Cosme e Damiao e conversavam sobre um monte de coisas, afim de por seu ingles em pratica.
Sem duvida, a hospitalidade de todos os que encontramos naquele dia foi demais. Pessoas simples, "normais" ao contrario do que a gente pensa quando ve esse monte de coisa na televisao ou jornais. A questao e: ate que ponto essa "normalidade" nao passa a ser fissura/loucura/fanatismo ? Todo tipo de crenca tem seus perigos, suas incognitas, seus seguidores com mente fraca que deturpam tudo voltando-se para algo ruim. Ano passado 2000 pessoas foram hospitalizadas. Imagino que, no auge do coro e do tambor ao levantar de espadas, os animos alterados facam o trabalho do terror mesmo que inconscientemente. Querendo ou nao, as espadas sao armas verdadeiras e a luta de egos pra mostrar quem eh o mais forte e corajoso ou "mais fiel a Allah" pode levar a atos inconsequentes.

No fim, o que nos pareceu mesmo e que tudo aquilo nao passava de uma especie de festa junina misturada com quermesse e uma encenacao de Cristo na via sacra, carregando a cruz ensanguentado (com a diferenca que, nesse caso, o sangue e cenografico), sendo crucificado. O mesmo tom de sofrimento. O mesmo tom de "tentativa de resgate da humanindade pela religiao". So que um pouco mais forte.Minto: muito mais forte.

Foi muito interessante sentir o choque cultural e a proximidade ao mesmo tempo. Parecia um mundo alternativo: uma realidade ao mesmo tempo afastada e proxima. Uma experiencia sem igual, embora muita coisa ainda esteja obscura pra nos...



bjokas e ate a proxima!

3 comentários:

  1. Amiga me deu medo só em ler seus relatos!!Meo Deus é um choque e tanto de cultura!eu ficaria super hiper amendrontada! Ta doido!Deve ser bonito ver a crença, porém ver que muitos ficam hospitalizados por isso é chocante!!!! Se cuida amiga e não prova tudo não!!! Qdo eu for aí vou ficar só de longe!!!Aff!!!

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Oiii Alestrela

    Como estás, garota? Torço pra q muito feliz. Especialmente neste dia oito de março, tão especial. Afinal, vcs mulheres são a mais doce inspiração em nossas vidas. Sejam mães, amigas, irmãs de fé, companheiras, divas... exemplos! Vcs cativam a todos nós homens pelo coração.
    Bj enorme cheio de carinho em seu coração, Ale.

    Do amigo blogueiro Everton

    PS.: No www.vancouverolimpica.blogspot.com deixei uma singela homenagem a todas as campeãs da vida!

    ResponderExcluir